sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Carlos

Eu vi que todo mundo postou sobre Black Swan. E eu não comentei no blog de ninguém porque eu ainda não vi. Porque o babybrother me contou que alguém arranca o pedaço do dedo de alguém e é nojento e eu não vou gostar. Conclusão: não sei comentar sobre esse filme ainda. Comentarei algo quase tão importante quanto o filme cuja atriz principal é a favorita para a estatueta do Oscar: eu vim falar do Carlos.

Ontem eu cheguei em casa, lavei a louça, coloquei o jantar pra fazer, tirei o lixo. E nessa hora, resolvi enfiar junto um pé de hortelã morto que eu tinha lá em casa. Que eu comprei no Ceasa debaixo de argumentos da vendedora dizendo "não, só está feinho, morrer não vai não." Eu queria algumas folhas de hortelã pra me acabar num mojito, já que comprei rum pra dar e vender. E foi aquele vaso feio de hortelãs feias que levei pra casa. Por 3 reais. Hortelã mumificada, foi pro lixo com vaso e tudo. Mas no pratinho do vaso, uma surpresa. Um tatu-bola.


Quando eu era criança, minha brincadeira preferida era de panelinhas. Não sei exatamente porque não existem mais panelinhas de plástico pra vender, porque a minha avó me dava coleções e coleções de pratinhos e xicarazinhas e panelinhas e fogõezinhos. Eu tinha vários e passava horas brincando com aquilo. Brincadeira barata. E eu passava o dia investigando pelo quintal por ingredientes pra colocar nas minhas panelinhas. A maioria dos meus ingredientes era sempre folhas, mas vez ou outra eu colocava formigas também. E as comia depois, inclusive. Era mesmo uma brincadeira bem real. Fato é que meu ingrediente preferido eram os tatus-bola. Eu tinha vários, tinha coleções, e achava uma graça que eles ficavam lá acondicionados feito lindas bolinhas nas minhas panelinhas. Eu passava o dia rodando tatuzinhos pra lá e pra cá no meio das minhas brincadeiras. Eu era filha única. E os tatuzinhos eram minhas companhias.

Vinte e muitos anos depois fico aqui a pensar que talvez eles tenham entrado em extinção. Porque nunca mais eu tinha visto um. Acho mesmo que a globalização, o crescimento desenfreado das metrópoles, a poluição e o trânsito fizeram com que tatus-bola morressem por falta de lugares mais tranquilos pra morar. Não sei. Mas sei que ontem, no pratinho do meu vaso de hortelãs falecidas, havia um tatu-bola.

Pequenininho, bonitinho, cheio das patinhas. Cinza, como os de antigamente. Gordinho, ele andava esperto pelas beiradas do pratinho. E eu achei que ele tinha cara de Carlos. Eu fiquei ali olhando o Carlos e lembrando da minha infância tranquila. Sem preocupações. Sem obrigações. Minhas tardes quentes de brincadeira solitária. O cheiro do ar daquela época. O som dos passarinhos.

Pensei em jogar o vaso fora, mas deixar Carlos ali. Por me trazer tantas lembranças, Carlos não merecia terminar a vida num saco de lixo. Carlos merecia andar e correr e ter herdeiros que brincassem com crianças e suas panelinhas no futuro. Rá. Crianças. Dessas que já nascem em frente ao computador. Nem sabem o que é panelinha. Nem nunca viram um tatu-bola em suas vidas. Nos dias de hoje, no alto do vigésimo segundo andar de um apartamento, as grandes expectativas de Carlos se resumiriam a se aventurar pela minha própria casa e só. E então eu lembrei do meu tapete egípcio. De pelinhos. Aí eu olhei pro tapete e olhei pro Carlos. Para o Carlos, para o tapete. E assoprei o Carlos, varanda abaixo.

Carlos caiu do vigésimo segundo andar de um apartamento. Na contramão, atrapalhando o tráfego.

10 comentários:

  1. Tadinho do Carlos... Vai ver por isso ele entrou em extinção: não sobrevivem em alturas e a maioria das habitações nas grandes cidades são prédios... Mas foi um fim mais dramático que o lixo, pelo menos.
    Bjs.

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  2. Ai, pobre Carlos! Hahaha
    Eu quando era criança adorava catar tatu-bolas nos canteiros da escola. Eu e minhas amigas sempre fazíamos isso. Minha prima uma vez decidiu "criar" um, levou pra casa, e colocou dentro de uma caixinha de TIC-TAC, o pobrezinho. E fechou a portinha ainda, hahhaa.
    Que dó dos tatuzinhos, mas eles são mesmo muito interessantes!

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  3. Ah, eu também fui uma criança solitária que brincava com panelinhas - brinquei até os 12, quando veio a menstruação estragar a minha festa.
    Mas, pra piorar, eu fui criada em apês - que não tem nenhum espaço para descobertas como tatus-bolas. O máximo de contato animal que eu tinha era o gato velho da minha avó - que não era muito chegado a brincadeiras, rs

    Fiquei com pena do tatu-bola. Tadinho. Será que a carapaça dele aguenta 22 andares?

    (Sério, estou aqui torcendo para que tenha aguentado #boba)


    Beijins!

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  4. Tadinho do Carlos! Eu tb adorava brincar de casinha, com panelinhas de plastico e Barbies! Saudade boa!
    Beijos

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  5. Nossa, quanto tempo não vejo nenhum tatu-bola! Quando eu era criança e gostava de brincar na praça com meu primo mais velho eu os chamava de tutu-bolinha e também comia formigas mas nunca brincava com panelinhas porque meu primo não gostava. Nós eramos biólogos na selva ou Tarzan e Jane.

    Sobre seu comentário no meu blog: minha irmã comia sabonete quando ela tinha 3 anos daí minha mãe começou a colocar pimenta nos sabonetes, uma vez tomei banho com um apimentado e acabei com coceira! Às vezes dá vontade de comer aquele Surpresa de Morango, ele parece iorgute com pedaços de morango hahaha.

    beijos

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  6. Tem um ponto do texto, em relação a preferência gastronômica da sua infância, que não ficou muito claro para mim. Preciso tirar essa dúvida: afinal de contas, você incluía tatus-bola na sua dieta ou sua alimentação restringia-se apenas às formigas?

    Gostei da mudança no blog. Essa cor ficou bacana!

    Bjo, saudade de você.

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  7. Como assim? Eu me afeiçoei ao Carlos e você jogou o coitado pela janela do vigésimo segundo andar? Você é má, Renata, muito má! haha

    ;*

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  8. GENTE, eu adorava tatus-bola! Voltei total na minha infância...
    e sim, todo mundo tem seu lado negro. Pelo menos você soprou um tato... eu já dei um peteleco no pintinho de estimação da minha irmã e ele morreu esmagado na garagem. HA
    mas eu só tinha 6 anos e podia jurar que ele sabia voar .D
    beijo

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  9. a história está linda, nao previa o final.

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  10. Eu sou bizarra de assumir aqui que nunca vi um tatu bola???
    Juro.
    Nem achava que era assim.
    Imaginava grande..tipo do tamanho de uma bola mesmo.

    Ok ok
    Menina de apartamento.

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