terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sobre desapego

Quando eu era criança, saía pegando florzinhas pela rua. Lembro da minha mãe nervosa, atrasada para o trabalho, me empurrando morro acima no caminho da escola. E eu parando em cada esquina, porque naquela época havia mesmo muitas flores nos arredores da rua. Eu gostava. Pegava e dava pra ela que, brava, só devia pensar que não via a hora de me despejar logo na escola pra não chegar atrasada no trabalho. Pensando bem cá comigo, eu era uma criança meiga. E fora as flores na rua, gostava também quando chovia e a água descia pela rua suavemente. Sabe quando forma ondinhas? Então. Eu achava bem legal. Além do fato de gostar de enfiar as mãos nos grandes sacos de feijões. Ah, síndrome de Amélie Polain. Isso eu ainda faço. Disfarçadamente, mas faço. Mas eu falava das flores.

Pegava flores na rua e levava pra casa. Daquelas laranjinhas mesmo, de mato. Eu achava bonitas. Chegava em casa e colocava no copo de água. E ficava feliz. Mas as flores morriam logo e esse foi um sentimento que cresceu comigo. Namorado romântico que dá flores de presente? Que bom. Mas isso morre logo. Eu acho sim, lindo. Mas se for escolher vou preferir ganhar alguma coisa que dure pra sempre, pra eu poder guardar. Outra coisa que eu gostava quando era criança eram as pedrinhas de areia. Daquelas brancas e redondinhas, sabe? Sempre achei legal. A precisão de uma pedra poder ser tão branca e redondinha. Levava pra casa. E aí você já pode imaginar o que estava por vir.

Cartas, fotos, roupas, brinquedos, caixas. Lembranças de todos os tipos. Das agendas cheias de papel de bala e recortes de revista à minha coleção de papéis de carta. Tudo sempre foi meu, muito meu. E eu sempre fui uma pessoa que guarda tudo. Milhares de arquivos no computador. Pra mim, cada coisinha me lembra um momento. Me lembra alguém. Me lembra uma fase da vida. Me lembra infância. Adolescência. Aquela melhor amiga ou o primeiro beijo. E eu tenho aqui até hoje meus cadernos de perguntas, meus cadernos de recados. Engraçado é ler e ver que era sempre a mesma coisa 'te curto pacas e você é minha melhor amiga'. Claro. Quem é que ia pegar o meu caderno e escrever que eu era uma chata de galocha? Curiosidade mesmo é pensar se mais alguém guarda essas coisas. Queria ver minhas mensagens de 'te curto pacas' por aí. Porque daí eu ia lembrar que curtia nada, que escrevi isso só porque a menina devia ter algum amigo bonito e eu queria era me enturmar. Ah, como as relações da infância são interesseiras.

Eu sempre fui famosa na família. Sempre tive um quarto só meu. E mesmo não sendo espaçosa, se o espaço é meu eu tenho que preencher. Meu guardarroupa dá de 10 a zero no de qualquer um por aí e eu sou capaz de apostar. Não que eu tenha tanta roupa assim. Mas porque TUDO meu sempre esteve guardado lá. Tudo o que você pode imaginar. Meu armário era daqueles que a gente abre e cai tudo na cabeça. Não que estivesse bagunçado - porque desde sempre o meu melhor passatempo é arrumar armário - mas porque as coisas simplesmente não cabiam. Era mais coisa pra guardar do que espaço disponível. Sempre. E a minha mãe sempre adotou a filosofia de não querer nada debaixo da cama. Tudo bem. Debaixo da minha cama não tinha nada, só o monstro. Eu enfiava tudo dentro do guardarroupa mesmo. Sem problemas.

Trinta anos, casa minha. Uma casa todinha só pra mim. Vários cômodos, vários armários. E quando pensava nisso logo vinha a realização do sonho de ter mais um montão de espaço pra guardar tudo mais que me desse na telha. Ah, satisfação. Mas não foi isso que aconteceu. Um belo dia eu acordei querendo fazer limpeza. De jogar tudo fora. Tou doente, pobre de mim - pensei. Dormiria e amanhã tudo voltaria ao normal. Mas não. Faz uns meses já que eu estou pensando mesmo em jogar quase tudo fora. Quase tudo o que eu guardei nesses trinta anos de vida. Agora eu visto as mesmas roupas e penso que é a última vez. E que amanhã vai para a doação. Nem que eu fique pelada, mas não quero mais usar as mesmas coisas. E pode virar esse seu nariz torto e o dedo apontado na minha direção com um pré-julgamento de 'consumista!' pra lá. Não sou não. Eu realmente preciso de roupas novas. E isso sou EU que sei.

O fato é que estou jogando fora minhas lembranças. Minhas coisas. Meus guardados. Minha vida. Vida essa que já passou. Que não quero mais guardar, não em forma de coisas. Acho que as lembranças que não devem ser esquecidas estão aqui comigo, dentro do meu cérebro. E que tudo mais que eu esqueci...... por que ter objetos para lembrar? Sou contra pessoas que terminam relacionamentos e saem queimando e rasgando tudo. Acho que é forçar muito a barra. Coisa imposta. Acho que cada um se livra de suas coisas, seus momentos.. quando está preparado. E eu já ouvi tantas vezes 'você precisa jogar tudo isso fora!' e respondi tantas vezes que o que eu faço com minha vida e minhas coisas é problema meu.

Aos trinta anos decidi jogar as coisas fora. Decidi desapegar. De momentos, de pessoas, do passado. E isso pode parecer simples pra você que está aí lendo e não entendendo bem porque eu fiz um post só pra falar sobre isso. Pois saiba você que pra mim é um fato importante. Porque um belo dia eu acordei e percebi que não preciso me apegar às coisas que já passaram para ser feliz. Que outras coisas virão, outras pessoas, outros momentos. E que hoje eu posso trocar os 'te curto' de gente que se eu encontrar na rua não vou reconhecer por pessoas que estão realmente comigo todos os dias, na alegria e na tristeza. E se essas pessoas passarem, outras virão.

Aos trinta anos decidi crescer. Decidi ser a mulher que nunca me vi sendo. Porque a gente passa mesmo muito tempo querendo não envelhecer. Querendo ser adolescente pra sempre, querendo não ter tanta seriedade. Mas os problemas não esperam você estar pronta para chegarem. E aí você pode sim ser responsável mas continuar sendo infantil. Mas pra que? Pra que, se a parte mais difícil eu já fiz? Por que não entrar de cabeça e assumir a mulher que me tornei e então aproveitar também essa fase da vida?

Aos 20 anos, aproveita-se as rapidinhas. Aos 30, se aprende lições. Já dizia Carrie Bradshaw. (aos 40 paga-se as bebidas. E realmente vai demorar BEM pra eu pagar alguma coisa pra alguém.)




Em tempo: a fofíssima da Anna me indicou para o #BlogDay lá no blog dela. É um treco aê que eu não sei muito bem como funciona, mas o que importa é que tem um dia específico lá que o pessoal indica blogs para os leitores. Eu sou mesmo uma pessoa desatualizada e nunca sei quando é nada e por isso não participo. Mas não pude deixar de ficar feliz com o relato dela - que é uma pessoa inteligente e confiável - a meu respeito. Passem pra ver que fofa! ♥ :~

8 comentários:

  1. Ei!
    Primeira vez no seu blog, e amei.
    Sabe que eu demoooro a praticar o desapego, mas as vezes também acordo com muita necessidade de me desfazer de algumas coisas. Pra entrar coisas novas, devem sair as antigas, e nem é só materialmente que falo não!
    Beijoss!

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  2. Bom, eu vim pelo blog da Anna, e realmente ela tem bom gosto! Parabéns por suas palavras! ;)
    É lindo ler a sua sensibilidade!

    beijos!

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  3. Renatinha fazendo faxininha!!!
    Olha.. vira e mexe eu faço uma limpa no armário. Não existe outro meio de aliviar. O lance é o desapego.
    Não tem a Sessão de Descarrego da Universal? Então..façamos a Sessão do Desapego.
    Olha que ando precisada de uma hein..
    Quando voltar de viagem serei bem cruel. Assim como vc, ando cansada também...precisando me livrar de alguns pesos.

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  4. (lembrei de te dizer: eu catava palito de picolé, serve?! rssr)

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  5. Meu deus, eu vi seu blog indicado no Blog Day pela Anna e ela tinha razão: você é genial!

    Adorei, adorei seu blog e vou passar aqui sempre que puder (:

    Beijo!

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  6. Olha só, eu acho que fui uma criança meiga rsrsrs Porque eu catava florzinha na rua, eu cuidava as trilhas de formigas para não pisar nelas e eu ainda adoro enfiar a mão no saco de feijão...

    Eu fui meiga rsrs

    Agora, eu guardo coisas, não tudo, não mesmo, por exemplo do Bernardo bebê, guardei mesmo só o primeiro tip top, o primeiro sapato, o primeiro bico (pq tem um sentimento nisso para mim), dos namorados, tenho algumas coisas guardadas, fotos, cartões, cartas (por mais que doa na hora do fim não tem como não guardar), agora nunca guardei o papel de bala, o ingresso do cinema... A unica coisa assim que tenho guardada é uma rolha de champanhe, porque essa tem um motivo bemm especial para mim.

    Roupa eu sempre me desfiz, sem problemas... O que me doi mesmo é livro, maior dificuldade de doar eles....

    Eu acho que não sou das mais apegadas, mas algumas coisas são mesmo mais complicadas de eu me desfazer...

    Beijos

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  7. também fazia coleção de tudo quando era criança - folhas secas de árvores, caixas de remédios, propagandas de políticos. tudo guardado no armário. depois, você cresce e nada faz mais sentido, simplesmente vai pro lixo. mas ainda mantenho algumas coisas da infância num espírito meio toy story - claro que não as folhas, caixas e propagandas.

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  8. Percebi ontem a noite que uma prateleira do meu guarda roupas está cedendo e começando a prender a gaveta logo abaixo (tudo bem que é aquele das casas bahia e que issa vai acontecer mesmo que ele esteja vazio), olhei pra cima e vi que todas as minhas agendas estavam lá e pensei "preciso jogar isso fora".
    Eu desencanei de ficar guardando lembranças tb. Muito melhor lembrar numa mesa de bar com cada um relembrando uma história.

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