quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Sobre o vigésimo segundo andar

O vigésimo segundo andar é bom em todos os aspectos. Principalmente quando eu tenho como álibi a opção de ameaçar jogar de lá qualquer coisa e qualquer pessoa que me irrite. É quase como uma válvula de escape. Assim, facinho. Só arremessar da janela. Ôpa que vai chegar lá embaixo bonito, ô se vai.

Daí que o meu apartamento foi escolhido primeiro de acordo com a numerologia, depois de acordo com a localização/sol que bate/corredor de ar/vista e, por fim, o melhor dentre os que sobraram e pronto.

E aí que como essa coisa de morar em apartamento é nova pra mim, eu não posso deixar de reparar nos vizinhos. Tão perto. Sei que os meus vizinhos de cima são boa gente se eu for comparar com a quantidade de barulho que fazem na minha cabeça. É, porque eu nem conheço, nem sei quem são. Só sei que tem uma dona lá que fala no telefone na janela, que parece que está lá na minha cozinha. E sei que tem criança porque tinha um estrado de cama pequena encostado na tela da varanda. E que alguém fez aniversário sábado, já que enquanto eu limpava meu armário de cozinha quase pedi um pedaço de bolo depois do parabéns pra você. E ah! Sei que na semana passada alguém teve dor de barriga, levando em consideração a quantidade de descargas dadas em uma hora.

A minha vizinha de porta e de quarto ainda não mudou. Mas eu sei que não fui com a cara dela. Porque, sei lá, tem por volta de 30 anos, mas é tingida e com voz estridente. E falava alto com o marido, um ser que eu também não fui com a cara. E ela teve inveja do olho mágico e fechadura tetra da minha porta e pediu pra fazer igual. Pessoa sem personalidade. Eu só sei que eu a apelidei de loira barraqueira e pronto.

A vizinha de mesmo andar e mesmo lado do elevador, porém de diagonal, é simpática mas fica longe graçasadeus. Eles são uma família fofa, mulher, marido e duas meninas, uma por volta de 8 e outra por volta de 3 anos. E apesar de eu já ter conversado com ela sobre "e esse tempo doido, hein", é bom que esteja relativamente longe. É, porque tem uma criança lá que chora. Suponho que seja a mais nova, mas vai saber. E, pelamordedeus, uma boca que parece que alguém tá matando. Qualquer dia vou bater lá e perguntar se querem ajuda. Mesmo longe, ecoa pelo andar inteiro. Já pensou bem do ladinho?

Daí que o vizinho de andar, porém do outro lado do elevador, é baixinho. E isso já mostra todo o caráter do indivíduo. Franzino, arrancou a parede entre a sala e a cozinha, trocou a porta de lugar, fez acabamento de gesso. E ficou baiano.

Tem a loira lá metida a candidata de sub-síndica. E eu não votei nela. Porque ela dizia 'ó, se eu ganhar eu tenho mais o que fazer, tá?' Ah, catar coquinho. Ainda bem que mora lá do outro lado do andar.

E, finalmente, porém não menos importante, tem o negão. O negão é meu vizinho de cozinha. O negão mudou faz tempo, bem antes de mim, mas você olha lá no apartamento dele e só vê caixa. Eu sei que eu lá na minha super organização de armários, um dia a negona dele viu e deve ter se inspirado, porque foi arrumar as coisas dela também. Mas tudo lá continua cheio de caixas. E eu olho lá porque a varanda dele fica a 90 graus da minha, e isso quer dizer que quando eu passo em direção à minha cozinha, enxergo um pedaço da sala e um pedaço do quarto dele. E até ontem, nem eu nem ele tínhamos cortina. Agora eu tenho. É, porque eu posso dizer pra vocês que um dia tava eu toda de pijama e descabelada, 7h da madrugada, passei rápido em direção à cozinha pra fazer café e vejo o que? O negão pelado no meio da sala dele. Vestindo a cueca. Tudo bem que a sala é dele, mas eu acho que a pessoa deveria reparar no campo de visão alheio. E aí a sorte é que eu tava meio grogue, meio dormindo, meio atrasada, que nem vi nada muito especificamente. Porque, sabe como é, não faz meu tipo. Visão do inferno, fala a verdade.

Sei que a negona dele eu só vejo de fim de semana. E ela canta pagode junto com o rádio em último volume. Cada um com seus problemas, já que eu danço bolero no meio da sala, tudo certo ela cantar pagode do lado de lá. Aí que a negona tem uma caixinha de madeira grudada na parede da sala, que de vez em quando ela vai lá, abre uma portinha, ajoelha e reza. E eu sei lá que religião é aquela, porque dentro da portinha tem uns escritos parecidos com letras japonesas. E embaixo, na bancadinha de madeira, tem um treco preto que parece uma vela, e outro que parece um pincel de barbear. E daí é isso. Um dia eu vi uma menininha. E penso que devem ter matado, já que nunca mais a vi.

Daí que o negão tem hábitos estranhos. Não é assim tipo eu que chego e saio todo dia na mesma hora, tal hora faço comida, tal hora tomo banho. Tem dia que ele nem chega. Tem dia que sai muito cedo. Tem dia que sai e entra várias vezes. E aí eu fico lá pensando se ele é médico. Se janta fora. Se dorme na casa do colega de trabalho. Se tem amante, se tem duas famílias.

Tou achando divertida a minha observação das pessoas. E, precavida para o caso de estarem fazendo o mesmo comigo, já coloquei cortina na sala. Não troco de roupa na frente da janela. Penteio o cabelo antes de sair na varanda. Porque, sabe como é? Eu tenho vergonha na cara.

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